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Around: imagens que se abrem

A simplicidade da forma e a frieza do material da obra Around poderiam fazer com que o sujeito, ao olhá-la, em um primeiro momento tendesse a ver mero material industrial. Mas desta forma essencial, sem excessos, abre-se o caminho para a revelação de algo não visível, que ultrapassa os vazios ali postos. À primeira vista, estes vazios criam a sensação de que o desprendimento do monólito chegou ao seu grau máximo: na obra de Caldas, a imagem abre-se a tal ponto que seu interior, agora revelado, mescla-se com o meio circundante. E então, os limites entre obra e meio desafiam quem a observa.

Neste momento, a potencialidade dos vazios ali explícitos afirma-se justamente por não estarem preenchidos, assim como os vazios que brincam de decompor o objeto na obra "Guitarra", de Picasso. Através deles, a paisagem clama para fazer parte daquele objeto. E assim, em um jogo de contrários, formas que se abrem, ao mesmo tempo em que são envoltas pelo arredor, fecham-no em ângulos retos, emoldurando montanhas e nuvens.

Este objeto também olha quem a observa, guardando em si a inerência de se revelar algo para além de sua matéria. A imagem que dele emerge abre-se para além de seus 1.800 centímetros de altura. Sua imponência convida o sujeito a transpassar o vão que ali se apresenta. E assim, a imagem age “exclusivamente nos termos de sua individualidade”, como colocado por Greenberg. E do vazio desvela-se algo. Do vazio, revela-se uma porta. E o vão incorpora o significado simbólico de passagem, de acesso a outro lugar. Mas quando o sujeito ali adentra, ele é levado para fora. Contradições dissimuladas pelas formas. Que enganam o observador. Que o incomodam e o desafiam.

Uma vez abertas, formas geometricamente simplificadas, essenciais, “puras”, passam a carregar em si uma oposição. Se inicialmente poderiam parecer livres de qualquer ilusão, agora são elas que oferecem a ilusão de que tudo ali desvelado “[...] existe apenas oticamente como uma miragem” (GREENBERG, 2013: 170)

A escultura dissipa-se pelo espaço, e imagens que não se aproximariam logicamente agora tornam-se uma só coisa; transformam-se em uma unidade formal absoluta, como a imagem da maiastra, de Brancusi; como a imagem de Freud. Assim, desvela-se o ente deste apetrecho; através de uma operação que não existiria sem o sujeito que a olha, agora transportado para um lugar diferente do seu mundo habitual. Assim desvela-se o ente do objeto, atingindo-se inelutavelmente o ente do sujeito. Tudo é uma só coisa. Assim desvela-se a verdade, papel inelutável da arte.


Around. Waltercio Caldas. 1994. Aço inoxidável. 450 x 1800 cm. Leirfjord, Noruega.

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