Século XXI: a era do espectador?
Texto produzido a partir de visita à exposição “MAC USP no Século XXI: a Era dos Artistas”, em cartaz no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo – MAC USP, desde 20 de maio de 2017 (exposição de longa duração).
Logo de início, o espectador surpreende-se ao se deparar com uma proposta inovadora: uma exposição cuja curadoria seja “quase invisível”, como afirma a curadora Kátia Canton. Não a toa, o título “a era dos artistas” é referência direta ao período conhecido como “a era dos curadores” (período que se inicia a partir das duas últimas décadas do século XX). Propondo um olhar alternativo a este panorama, a exposição apresenta obras, produzidas a partir de 2000, sem uma interferência curatorial.
Composta em sua grande maioria por doações dos próprios artistas, as obras estão dispostas de acordo com seus sobrenomes, de modo que não há um texto que sugira e preestabeleça aproximações delimitadas por um viés específico. A intenção é que, com o foco nas obras, elas se relacionem livre e diretamente com o espectador, de forma a se tornarem “convites” para que a própria experiência de quem as observa seja a base principal da interação entre ambos.
Em um primeiro momento, o público pode se sentir intimidado com a proposta, uma vez que o conforto de receber uma visão já direcionada das obras lhe é extraído. A este sentimento, junta-se o de “ser enganado”, já que as obras podem não corresponder às suas referências artísticas. Ao percorrer corredores e salas, tendo como apoio apenas o título das obras (isso quando não se depara com a frase “sem título”), o espectador se vê desafiado a buscar caminhos alternativos para significá-las e até mesmo relacioná-las.
Assim, cada imagem, cada objeto ali exposto, oferece-se inteiramente, com mediação quase nula entre obra e sujeito. E a este, cabe explorar o que, em um primeiro momento, parece apenas mero objeto; cabe aceitar as provocações que, por exemplo, propõe uma ratoeira cujo título é “armadilha para não pegar”; cabe descobrir o que cada detalhe tem por revelar. E os desafios são muitos: cavalos vermelhos, imagens que ganham vida através de fuligem, mesas que desaparecem parcialmente no chão envoltas por barquinhos de papel, formas que brincam com os limites entre figuração e abstração, bandeiras formadas por balas de revólver, elefantes de espuma, cruzes que surgem em meio a quadros aparentemente monocromáticos. O que cada uma delas quer dizer? A resposta, desta vez, não vem de fora.
Se o espectador entender que estas obras podem funcionar como gatilhos que, após acionados, iniciam um processo no qual só se chega ao fim quando seus valores são transformados, ele descobre o prazer de, mesmo que por alguns minutos, abandonar seus valores que tanto preza para se arriscar em novas possibilidades. E durante este processo, percebe que a falta de respostas claras, que provavelmente o incomodou em um primeiro contato, não é mais um problema, pois a experiência de navegar por um caminho que antes sequer existia já se basta.
Se na era dos artistas a não interferência de leituras fixas possibilita ao espectador assumir a construção de significação das obras, bem como de suas inter-relações, as infinitas possibilidades intrínsecas a elas potencializam-se. Com isso beneficiam-se não apenas a relação sujeito e obra de arte, mas também o próprio sujeito, agora capaz de deixar-se ser verdadeiramente transformado pela obra. E se a proposta fosse abraçada no meio artístico, seria fácil dizer que a era seria, então, do espectador.